Apaixonado, lúdico, sonhador e criativo: estas características resumem um pouco da essência de Jaison Manoel Alves (36), estilista da J541A. A marca, que existe há um ano, foi responsável por uma grande mudança na vida dele, que estava prestes a abandonar o segmento de moda. Hoje, adepto ao movimento slow fashion, prega por um consumo consciente e livre de preconceitos – além de abominar os estereótipos pelos tipos de vestimentas, defende a liberdade nos looks como expressão de arte. “O meu consumidor não quer chocar, mas chama autenticidade”, comenta. Com roupas no melhor estilo genderless, a palavra-chave dessa nova fase é leveza: de viver e na hora de se vestir. O estilista, que será um dos participantes do The Future, concedeu uma entrevista à Catarina e conta o porquê dessa mudança de vida e qual sua visão do cenário da moda atual.
Revista Catarina: Quando foi e por que aderiu ao movimento Slow Fashion?
Jaison: Eu acredito que a gente nunca se torna ou adere a alguma coisa do dia para a noite. Eu acho que isso é um processo interno, ele possivelmente sempre esteve ali. Você em alguma esfera da sua vida ou em alguma área de atuação já vem fazendo aquilo. Você só não sabe o nome, como por exemplo o Slow Fashion. Você não sabe que vai vir à tona, mas já pratica isso. Não faz “boom” e acontece. De algum modo, é seu desde sempre. Eu enfrentei uma dificuldade muito grande na minha vida profissional que não veio porque estava tudo em crise. Era uma crise muito maior, muito mais forte. Era minha, pessoal, algo estava errado. Eu estava fazendo roupa por fazer. Eu estava fazendo horas dos meus dias, anos da minha vida uma coisa por fazer. Gente, o que é isso? Eu vim para o mundo para isso? Então eu comecei a ter essa necessidade, olhei para o meu guarda-roupa e tudo estava me incomodando. Tudo. E aí claro, a mudança foi imensa, gigante, não só no profissional como no pessoal. E é ai que eu digo, não brotou do nada, essa verdadeira essência apareceu.
RC: Como você avalia a aceitação do seu consumidor a onda genderless?
J: O consumidor, mesmo sem saber o que significa o termo genderless, está começando a olhar para uma peça – que até então seria esquisita, grande – e está dizendo “Nossa, que interessante. Pode ficar bom em mim”. Ele está começando a ver que existe a possibilidade de ele ser assim, que ser assim é normal. Na verdade isso é ser leve. Eu lembro que quando eu tinha as lojas Iriá, eu assistia as vendas dos vendedores com as clientes, e elas falavam “não posso usar essa saia, porque a saia tem que cobrir os joelhos, porque meu joelho é assim.” Isso é viver numa prisão: quando a pessoa acha que tampando o joelho está livre do defeito. Esses pré estabelecimentos do que ela é, do que o corpo dela é, do que ela pode. “Porque se eu vestir uma roupa dessas eu vou ser gay” “se eu vestir uma roupa dessa e vou ser sapata.” A prisão esta em você achar que você está livre para se esconder. Aí está o grande erro. E você usar uma roupa livre de conceitos, livre de padrão como “essa roupa é para homem” é a grande chave para a liberdade. É um processo muito profundo, a vestimenta é uma coisa muito profunda. Mostra para todo mundo o que você é por dentro.. quando você é de verdade, porque você pode vestir uma grande mentira. Eu avalio que a aceitação aumentou muito. Eu não preciso nem dizer que as pessoas estão mais corajosas. As classes que já vestiam esse estilo não estão mais nem aí, estão completamente livres para ir ao supermercado desta maneira e, quem nunca pensou que usaria, já começa a olhar com outros olhos e pensar “eu posso usar isso”. Então de modo sucinto, aumenta dia a dia.
RC: Que mudança representa na sua vida a sua nova marca?
J: Representa a plenitude. Eu me entrego para a minha opinião, para as minhas vontades e para a minha aceitação. Se eu quiser sair com uma “chuca” na cabeça hoje, eu vou estar muito tranquilo com isso. Eu não quero chocar, eu não tenho intenção nenhuma. É exatamente isso: não ter intenção. A única coisa é a leveza. “Nossa, se eu botar esse lenço na perna eu vou estar tão bem. Vou estar cobrindo a minha perna do frio e acho que vai ficar um look super ok que vai me fazer sentir bem”. Pronto, é isso a tal da liberdade que eu venho falando. Ser livre para viver. Então essa marca representa a mudança da liberdade na minha vida. Hoje eu sou um cidadão do mundo. As pessoas sempre disseram “Nossa Jaison, você é tão do mundo”. Agora eu não tenho nacionalidade, eu tenho as coisas obrigatórias, tenho documento que diz que eu sou nascido lá, mas o meu coração é livre para se sentir assim em qualquer lugar do mundo.
RC: Como você descreve o seu consumidor?
J: O perfil do meu consumidor é uma pessoa livre de tudo de preconceitos, de opinião alheia. Ele é muito firme, sabe. E uma coisa muito importante: ele não é exibido, ele não é agressivo. Não faz para se expor. Quando ele pensa “eu vou me expor” na verdade ele está expondo aquela roupa como uma arte. As vestimentas e os looks são como uma arte. É pensado para fazer amor e arte, é quase como se ele estivesse em exposição. Mas é aquela exposição que você olha e pena “meu deus, que maravilhoso”. O meu consumidor é artístico.
RC: Como você avalia o atual cenário da moda num geral?
J: Eu sempre fui meio positivo, mas agora o positivismo vem de dentro para fora e não algo forçado do tipo “vou ficar positivo para as coisas melhorarem”. Hoje está tudo mais tão livre que quando eu digo que eu avalio positivo o meu coração fala e palpita por mim. Eu acho que as pessoas olham um desfile hoje do Alexandre Herchcovitch para À La Garçonne e não pensam “mas será que dá para usar?” Acho que entra tudo o que eu falei até agora de genderless, olham para um desfile hoje e pensam que usariam tranquilamente para ir ao banco. Exagerei? Eu já estou nessa. E se eu estou nessa é porque existe um mundo que já está também. Tudo que eu posso ver e sentir é porque existe. Então eu avalio que há uma super evolução – as marcas que não me dizem nada eu não sei, nem olho, “no me gusta”. Agora as marcas que me despertam uma emoção, eu acho que elas estão conquistando vida na vida das pessoas. Eu amo essa liberdade de usar o lenço na perna, amarrado do avesso, pendurado no pescoço. Eu acho que o cenário da moda em geral hoje esta cada vez mais fazendo isso. É irreversível, sem volta, passeatas, paradas. O mundo LGBT já não é mais um mundo à parte, já faz parte do dia a dia. Falar em minoria? Que minoria? A minoria é a pessoa que está padronizada nos pré conceitos de hoje.
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