Essa semana estivemos na segunda edição do Floriapa Eco Fashion. O evento aborda a educação da moda voltada para a sustentabilidade e tem como ideia principal quebrar preconceitos e trazer novas ideias sobre a moda e o sustentável.
Participamos de alguns workshops e palestras discutiram assuntos que variaram entre ecofeminismo, sustentabilidade no mercado de moda, upcycling, e métodos manuais de transformação de roupas e acessórios.
Um dos workshops que participamos foi “A Ressurreição das Roupas”, ministrado pela estilista e fundadora da marca de upcycling Comas, Agustina Comas.
Mas afinal, o que é o upcycling?
Upcycling é o nome dado a técnica de criar novas peças através do reaproveitamento de peças e resíduos já existentes e que seriam descartados, transformando não somente as roupas mas também a forma de se relacionar com elas.
Agustina abriu a Comas com o propósito de recriar e ressignificar o descarte das peças e excedentes das grandes indústrias, agregando valor e inserindo-as novamente no mercado de moda.
Tivemos a oportunidade de conversar com a estilista e conhecer um pouco mais sobre o incrível trabalho dela, confira a entrevista abaixo:
O que a moda representa para você e em que contexto ela entrou em sua vida?
“Eu acho que tem muito a ver com a expressão mesmo da personalidade. É meio clichê (risos), mas é isso. Sabe porque? Eu vou contar um pouco como começou a fazer parte da minha vida. Na verdade fiz design industrial, porque queria fazer produto, e ai o que me conectou foi a forma de criar, de fazer, solta… Eu acho que tem muito a ver com a gente poder expressar quem somos, o que queremos, e eu acho que o meu trabalho tem tudo a ver com isso também né, com a coisa mais livre, mais solta, e dar também mais acesso para as pessoas poderem fazer isso de forma livre, em vez de pensar numa moda mais hegemônica ou algo que vem ditado de cima, que seja uma coisa que sai das pessoas, de poder ver que existe esse poder de transformação, de pensar mais em marcas menores, com personalidade. Mais do que marcas que ditam o que todo mundo tem que usar. “
Como você começou com a sua marca? Nos conte um pouco sobre o processo de Upcycling.
“Eu comecei a trabalhar com esse processo em 2008, sem saber o que era, sem conhecer o nome, na verdade foi muito a partir da minha experiência como estilista, que eu comecei a observar no mercado que sobrava muita roupa no sistema de varejo. Dentro da marca que eu trabalhava eu via que em toda coleção, mesmo depois de liquidações e bazar, continuavam sobrando muitas roupas. Minha reflexão foi que tudo isso era apenas numa marca, aí comecei a imaginar como era numa cidade inteira, num país inteiro.
A partir disso comecei a procurar ver uma forma de transformar essa sobra em novas peças, isso foi em 2008 com a marca In-use que abri com a minha colega Ana Piriz.
E daí que começou esse processo que hoje na Comas a gente já estabeleceu como método, de criar, desenvolver e produzir roupas a partir de roupas e resíduos gerados no ciclo do varejo.
Agora já são 11 anos trabalhando com isso, e já faz uns anos que eu tô muito focada em conseguir sistematizar esse método para poder aplicar upcycling em escala, porque um problema tão grande como o da sobra de roupas deve ser tratado por muita gente e por processos que deem conta de dar vazão, sabe?”
Como você vê hoje o cenário atual da moda e o futuro dela?
“Eu acho que estamos num momento bem determinante, até por conta dessas crises né? É Sempre em momentos de crise que nós abrimos o olho para o que tá sobrando, sobretudo nos países de primeiro mundo onde tudo é mais abundante.
Eu vejo que ainda a questão da sustentabilidade, do upcycling especificamente, como uma prática real e concreta ainda é muito nicho, eu vejo que as marcas grandes querem entrar e surfar essas onda, até por uma questão de marketing e posicionamento. Mas a questão é, como ter isso dentro da empresa uma forma genuína e real? Eles ainda patinam muito em cima disso, e acabamos vendo muitos casos de greenwashing, de marcas falando e se apropriando de um posicionamento que não é real.
Mas o que eu consigo visualizar como sendo uma saída para as marcas convencionais, é realmente tendo uma linha que seja produzida com os resíduos, sobras corte e excedente de estoque das outras linhas.
Não precisa mudar tudo de uma vez, claro, temos que ir em direção ao uso de materiais menos impactantes, a redução de geração de resíduo na produção, tanto na parte de matéria-prima quantos nas próprias peças e excedentes de estoques do varejo. Acho que são dois caminhos paralelos, enquanto trabalhamos essa nova indústria.
O upcycling não requer uma tecnologia muito avançada e existe um passo a passo que a gente pode sistematizar para escalar, que é o caso do método Comas de upcycling raiz, então eu o vejo como uma saída para dar vazão a esse problema do volume de peças que se gera em cada temporada, se as marcas se comprometerem a ter dentro da coleção uma linha sustentável, por exemplo.
Eu acho que são dois caminhos paralelos, enquanto rola a transformação da indústria, nós vamos trocando o pneu com o carro andando, na paralela, vamos trabalhando esse resíduo que já foi gerado, com o upcycling. Eu vejo dois caminhos paralelos trabalhando em simbiose, já que não tem como mudar a indústria do dia pro outro. É necessário ter essa abordagem meio dupla nesse processo.”
Como você relaciona a sustentabilidade com a humanização dos processos?
“Quando falo em upcycling, gosto de colocar ele como um processo que envolve as pessoas do começo ao fim, não é um pensamento somente na linha de produção, pois se trata de um processo que tem ainda uma complexidade, e requer muito pensamento de parte de quem tá fazendo, então tira a pessoa que tá operando a máquina da posição de um simples operador de máquina, e o coloca como um ser pensante que vai entender como resolver o problema de um produto do princípio ao fim, e que no meio vai ter que tomar decisões. Então acho que dá muito mais valor ao trabalho das pessoas, a intelectualidade e experiência dela.”
E para finalizar, quais são suas dicas e conselhos para quem está começando agora no mundo da moda?
“Buscar capacitações, aprender de quem já tá nesse trajeto, para trabalhar com upcycling é legal estar perto de alguém que manda muito bem na costura ou meter a mão na massa, também é bom fazer cursos de costura extras.
É essencial entender a cadeia produtiva, no já que com upcycling nós não vamos na loja comprar tecido, tem que entender quais problemas existem, onde vou buscar minha matéria prima de forma efetiva, criar parcerias com instituições, fábricas e marcas.
Mas muito mais do que para quem está começando, meu conselho vai para os “grandes” também, e eu acho o futuro disso tudo está muito na mão deles, porque os pequenos têm muita dificuldade de acesso pro público, acaba ficando muito nichado, então o conselho não vai só para os estudantes, mas também para as marcas, para abrirem espaço para essas pesquisas, para entenderem que é o mundo daqui a pouco, que tem que investir, contratar pessoas que saibam fazer transformar para implementar essas linhas, dar oportunidade para os estudantes que estão se formando que já vem com essas ideias.”