Empoderamento feminino

Empoderamento feminino


Figuras femininas assumem posições significativas de poder e ganham cada vez mais influência. O cenário histórico sempre afetou a moda e com a chamada para a igualdade de gêneros não seria diferente.

A MODA PODE SER FEMINISTA?

Depois dos desfiles internacionais de primavera/verão 2015, esse é um assunto que passou a ser discutido com maior intensidade entre designers e estilistas. Em sua essência, o feminismo não pode ser considerado uma tendência da moda ou mesmo da cultura pop. O movimento representa a ideia de que mulheres de todas as raças, origens e classes socioeconômicas devem possuir os mesmos direitos que qualquer outro ser humano. É o entendimento de que mulheres merecem respeito, seja nas ruas ou no ambiente de trabalho. Tendências acabam, o feminismo não. Porém, a relação entre feminismo e moda não pode ser tão facilmente descartada. Citando Virginia Woolf, conhecida como uma das principais figuras do modernismo, “roupas têm ofícios mais importantes do que a mera função de nos manter aquecidos. Elas mudam a nossa visão do mundo e a visão do mundo sobre nós”. A moda concentra uma consciência coletiva, que reflete, através de imagens e peças de roupa, o que está acontecendo no mundo.

Com o advento da Grande Guerra, a necessidade de a mulher assumir espaços tradicionalmente ocupados por homens na indústria estimulou a transformação radical da moda. Era o fim do espartilho como regra na base das roupas femininas. Neste período, as peças eram inspiradas nos uniformes militares, com shapes mais amplos e retos. Foi somente após a Segunda Guerra Mundial que houve uma verdadeira modificação nas relações masculino/feminino. Entretanto, esse fenômeno era mais uma necessidade econômica do que uma afirmação de igualdade entre os sexos. Com o fim dos conflitos, restaurou-se uma perspectiva conservadora em relação aos gêneros, atribuindo-se novamente o espaço doméstico à mulher. Em 1947, surge o New Look, de Christian Dior, que remete ao modelo clássico de beleza feminina, com a cintura marcada e as saias rodadas. “Não se nasce mulher, torna-se mulher”. A frase revolucionária é de Simone de Beauvoir. Em 1949, a escritora e filósofa francesa lançou o livro O Segundo Sexo. Com a obra, ela passa a questionar as ideias sobre o papel feminino na sociedade e as regras machistas que dominavam o mundo ocidental. Em resumo, Simone demonstra que a concepção que se tinha da mulher não era fruto da biologia, era uma construção social. Rejeitando a noção de que a mulher seria de natureza inferior, ela afirma que a possibilidade de independência financeira seria a saída para que a mulher pudesse ter absoluto controle sobre seu corpo e sua vida.

Foram pensamentos que deram origem ao feminismo, tornando-a uma das principais referências do movimento até hoje. A silhueta feminina dos anos 1960 e 1970 é leve e toma-se símbolo de uma mudança no comportamento da mulher. A roupa libertava o corpo. Em 1965, a produção de calças para a mulher superou a de saias pela primeira vez. A popularização do uso da peça originalmente masculina foi incorporada principalmente pelo uso do estilo unissex. Os movimentos feministas, nos anos 1980, passaram a usar a palavra gênero no lugar de sexo. Buscavam, dessa forma, reforçar a ideia de que as diferenças que se constatavam nos comportamentos de homens e mulheres eram ligadas diretamente à cultura em que estavam inseridos.

Atualmente, a moda começa a refletir a ideia de que as mulheres devem se vestir exatamente como elas escolhem. Desfiles como o da temporada de verão 2015 da Chanel demonstram que a moda está buscando se aproximar do movimento feminista, independentemente dos objetivos existentes por trás disso. A polêmica apresentação, acusada por muitos como uma forma de apropriação do movimento social, terminou com um protesto falso na passarela. Conduzidas por Gisele Bundchen e Cara Delevingne, que usavam looks em tweed e traziam megafones em punho, as modelos levantavam slogans como “Mulheres primeiro”, “Liberemos a liberdade” e “Seja sua própria estilista”. Karl Lagerfeld, responsável pela coleção, não pode ser considerado necessariamente um revolucionário, embora ele seja capaz de ser um agente provocador e um observador irônico dos tempos modernos. De certa forma, Karl se aproxima da própria Gabrielle Coco Chanel, que nunca se identificou como uma feminista, apesar de ter desenhado roupas que livraram as mulheres das restrições das faixas e dos corpetes apertados. Ao fazê-lo, ela se tornou um ícone da independência feminina a partir do momento em que montou seu próprio negócio, em 1910. Gabrielle permitiu que a mulher se sentisse livre e poderosa vestida de maneira simples e prática. Entre os cartazes do recente desfile da Chanel, também estava escrito He for She, uma referência à campanha de Emma Watson pela igualdade de gênero, que leva o mesmo nome.

Com apenas 24 anos, a atriz, que ficou conhecida por estrelar a série de Elmes Harry Potter, é embaixadora da boa vontade da Organização das Nações Unidas (ONU) Mulheres. Em seu primeiro discurso oficial, em setembro de 2014, que já possui mais de dez milhões de visualizações no YouTube, Emma convida os homens a participar da luta feminista, uma abordagem inédita sobre o tema na ONU. Outro caso recente conhecido foi a coleção primavera/verão 2014 da Prada, baseada nas muitas aparências que as mulheres assumem ao longo da vida, uma noção considerada por muitos como fundamentalmente feminista. Coleções de grifes como Versace e Céline também foram interpretadas como feministas – independentemente da intenção dos criadores. Em 2006, no auge da carreira, a estilista Phoebe Philo reacendeu outro debate entre moda e feminismo. Ela abandonou seu posto da Chloé, em Paris, para focar na sua vida pessoal, e só voltou a atuar anos depois, quando a Céline lhe ofereceu uma oportunidade de trabalhar em Londres, onde poderia ficar perto dos filhos. A marca construiu um ateliê na cidade especialmente para ela.

Paralelamente, começam a aparecer cada vez mais coleções que misturam o guarda-roupas de homens e mulheres, podendo ser muitas vezes usadas por ambos. Chamado Gender Bender, o movimento foi aposta de marcas como Alexander Wang, Kenzo e Michael Kors para a temporada outono/inverno 2016. Com isso, alguns estereótipos passam a ser quebrados, como homens não usarem saias e mulheres elegantes precisarem calçar salto alto, seja confortável ou não. A moda apresenta um mundo de possibilidades, enquanto também pode nos reduzir a um simples reflexo dos produtos que compramos. De saia justa ou calça, a escolha é da mulher, e a forma como vai demonstrar quem é para o mundo depende apenas de uma pessoa: ela mesma.

Além de ser um veículo de auto expressão, a moda é uma indústria multibilionária. Do ponto de vista do mercado, é um setor econômico importante. Segundo a ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), estima-se que a indústria brasileira tenha movimentado US$ 55,4 bilhões em 2014. Num momento de questionamentos da criação de padrões na indústria, uma crítica relevante é em relação ao ideal de ultra magreza, que, para a maioria das mulheres, implica em valores degradantes de tempo, dinheiro, energia mental e autoprivação. Parte de um movimento que ganha cada vez mais visibilidade e alcance na indústria cultural massiva, conhecido como Novo Feminismo, é o fenômeno que ganhou o mundo na voz e nos gestos da americana Beyoncé.

Durante o Video Music Awards, em 2014, a cantora realizou uma performance de 16 minutos, sendo parte dela usada para expor um trecho do texto da escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que é defensora dos direitos das mulheres A temática feminina – e feminista – marca todo o álbum de Beyoncé, ganhando força em faixas como Pretty Hurts, em que ela fala sobre a opressão dos padrões de beleza. Durante uma das músicas, ela destacou no telão o verso “Feminista, uma pessoa que acredita na igualdade social, política e econômica entre os sexos”, seguido por um “feminismo” em letras garrafais. Nos últimos dois anos, novas discussões surgiram em tomo da decisão da estrela teen Miley Cyrus mostrar sua sexualidade através de performances e videoclipes. O mesmo aconteceu com Rihanna. E, anos atrás, com Madonna. No Brasil, foi Valesca Popozuda quem ganhou destaque e levantou abertamente a bandeira do feminismo, recebendo o apoio de movimentos como o Marcha das Vadias. As funkeiras brasileiras são conhecidas por demonstrar sua liberdade sexual por meio das músicas. Nos últimos anos, conquistas econômicas deram voz às brasileiras, que garantiram maior poder aquisitivo e, consequentemente, independência. Por outro lado, uma pesquisa revelou que as mulheres ainda sofrem muito preconceito. Segundo dados do IPEA, de 2014, 26% da população acredita que as roupas e o comportamento feminino influenciam em casos de estupro. Prova de que ainda há muito a ser conquistado.

Recentemente, durante a 87ª edição do Oscar, quando subiu ao palco para receber o prêmio de melhor atriz coadjuvante pela atuação em Boyhood, Patricia Arquette declarou: “É nossa hora de ter igualdade de salários de uma vez por todas e direitos iguais para as mulheres nos Estados Unidos.” O discurso reforça o movimento criado por Emma Watson e por tantas outras feministas que vieram antes dela, assegurando direitos fundamentais, como Simones e Gabrielles. Este é um momento de reflexão na moda. Embora a indústria empregue e celebre mulheres do mundo todo, muitas vezes também explora e subjuga o sexo feminino. Seguimos em busca de uma moda que funcione como parte de um diálogo compartilhado entre as mulheres, que sirva como uma matriz de ferramentas criativas, sem controlar ou oprimir.

por Julia Lindner

pauta publicada na Revista Donna, cliente Catarina

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