A mais conceituada semana de moda internacional é palco para os maiores talentos do mundo. A força das Maisons francesas ainda é evidente nas passarelas de sua Paris Fashion Week, mas o evento considera representantes de outros locais com boas marcas e poder na criatividade. Essa valorização explica a migração londrina de algumas temporadas (Stella McCartney, Gareth Pugh, Rick Owens, Alexander McQueen e Vivienne Westwood todos apresentam na França) e, mais discretamente, a invasão belga. Assim como Tóquio se lançou para o mundo nos anos 1980 e afirmou sua posição como polo de moda, a Bélgica hoje abriga alguns dos mais bem sucedidos designers, que conquistaram a difícil proeza de agradar um público fiel, sem comprometer seu estilo.
Começaremos com Anthony Vaccarello, um dos queridinhos desta temporada. Filho de italianos, o designer deixou Bruxelas para se instalar em Paris após ter ganhado o prêmio máximo do prestigiado Hyères Festival em seu ano de graduação. Vaccarello aprendeu com o mestre Karl Lagerfeld a arte do manuseio com peles na Fendi. Dois anos depois, em 2008, chegou o momento de lançar sua própria label, que se consagra por apresentar um conceito de alfaiataria ultrasexy (isso é reafirmado com a conquista do prêmio ANDAM no ano passado, que também privilegia novos talentos).
Com apenas 32 anos, Vaccarello fez manchetes com seu desfile de Outono/Inverno 2012/13 por sua associação ao grande retorno da top Karlie Kloss nas passarelas. Fora o casting e a parceria com Giuseppe Zanotti nos acessórios, a coleção merece grande destaque por si só. Looks mais cobertos com referências militares iniciaram o desfile, sendo desconstruídos aos poucos com decotes e recortes assimétricos. A alfaiataria masculinizada deu espaço para a série de vestidos e saias curtinhos, antes ainda da sequência dos metalizados, com longos, macacões e calças com cós mais largo. O deslumbrante vestido preto, usado por Anja Rubik, foi a peça escolhida para fechar o desfile.
Anthony Vaccarello Collection, AW 2012/13
Dez anos antes de Vaccarello se lançar no mercado, o casal An Vandevorst e Filip Arickx já estavam apresentando sua primeira coleção na capital francesa, sob a marca AF Vandevorst. A história de amor (tanto um pelo outro, quanto pela moda) começou em 1987, quando An e Filip se conheceram na prestigiada Academia de Moda de Antwerp. “Permanecemos na mesma classe durante os quatro anos,” explica o designer. “Depois, queríamos adquirir o máximo de experiência profissional possível. Nós dois trabalhamos para outros designers e marcas durante quase sete anos, até montar nossa própria.”
A decisão de esperar provou ser sábia. A exposição da primeira da coleção da AF Vandevorst em Paris trouxe o prêmio Venus de La Mode e chamou a atenção do público local pelo primoroso trabalho com texturas e contrastes (peças com clara inspiração na moda íntima muitas vezes são cobertas por jaquetas, casacos, trench-coats e capas, exibindo tanto a delicadeza da lingerie, quanto a dureza da alfaiataria). A linha de sapatos veio em 2003 e a de lingerie, três anos depois.
Nesta edição da Paris Fashion Week, a grife fez uma homenagem à dançarina Pina Bausch. Seu modo andrógino de se vestir foi misturado a elementos típicos da dança (como o uso da seda nos figurinos, que apareceu com destaque), em um agradável contraste. Seu companheiro, o artista alemão Joseph Beuys – que já serviu de inspiração para a marca em outras ocasiões – também se fez presente: todas as modelos apareceram com os rostos cobertos, característica marcante nas obras de Beuys.
AF Vandevorst Collection, AW 2012/13
Veronique Leroy é outro nome de destaque acolhido em Paris. Natural da cidade de Liége, a estilista se matriculou em moda na capital francesa em 1984, conquistando a vaga de assistente de Azzedine Alaïa poucos anos depois. Assim como Anthony e a dupla da AF Vandevorst, a experiência com o mercado foi fundamental para a criação de sua própria marca, que estreou em 1994 com muito louvor. Veronique permanece com sua grife independente, incorporando uma linha de moda praia em 2005, e atuou também na direção criativa da Leonard até a temporada de Primavera/Verão 2012.
Veronique Leroy Collection, AW 2012/13
Mas a moda belga não é completa sem seus mais antigos representantes: Ann Demeulemeester, Dries van Noten e Martin Margiela. Formandos do início da década de 1980, os designers ganharam notoriedade por apresentarem uma moda avessa ao glamour europeu da época, inspirada muito mais nas estéticas de vanguarda trabalhadas pelos japoneses. Margiela, que iniciou a carreira com Jean Paul Gaultier e atuou como diretor criativo da Hermès em paralelo a sua própria Maison, introduziu elementos excêntricos como braços esticados e costuras à mostra, sempre com apelo minimalista. Apesar de não atuar em sua própria grife desde 2009, o legado deixado por Martin é incontestável e usado como referência por diversos novos talentos.
Já Ann Demeulemeester e Dries van Noten, ex-integrantes do coletivo criativo Antwerp Six, permanecem na ativa e com total controle de suas linhas; Ann, em especial, enfatiza a importância da independência financeira e no design, chegando a recusar propostas de estabelecidas grifes. Totalmente conceitual e (muitas vezes) sombria, a estilista encanta por sua precisão nos detalhes, com referências que passeiam pelos universos punk, gótico e até japonês. Cabelos espetados e ornados por enormes penas deram o tom da coleção de Outono/Inverno 2012/13, que trouxe uma alfaiataria assimétrica, formas próximas ao corpo, golas extravagantes e bastante couro. Como uma das juradas fixas do festival Hyères, Ann também é uma forte influência no meio, principalmente entre jovens designers.
Ann Demeulemeester Collection, AW 2012/13
Diferentemente do panorama “dark” apresentado por sua colega, Dries van Noten foca em uma estética minimalista, regada por experimentação com cores, estampas e camadas. Adorado por estrelas como Cate Blanchett e Maggie Gyllenhaal, além da princesa Mathilde da Bélgica, o designer está presente em mais de 400 pontos de venda no mundo todo. “Mas as dificuldades [de manter uma marca independente] foram muitas,” revela van Noten. “Embora o ‘preço’ tenha valido a pena. Nunca buscamos parcerias financeiras em toda a história da companhia. Acho que o período mais difícil foi naquela época dos anos 1990, quando os grandes grupos estavam comprando tudo. Foi um momento interessante na história da moda e fico feliz por ter sobrevivido a ele.” Com as vantagens trazidas por essa liberdade, Dries afirma estar em constante crescimento como designer e criativo. “Ela me leva a poder sempre mostrar uma nova personalidade com cada coleção que produzo,” concluí o estilista, que exibiu um direcionamento bastante oriental na última semana de moda.
Dries van Noten Collection, AW 2012/13
Fora do circuito independente, é impossível não mencionar Raf Simons, que liderou a equipe da italiana Jil Sander e deixou seu posto nesta estação, em meio a boatos que estaria cotado para substituir Galliano na Dior (de qualquer maneira, o designer segue com sua linha masculina própria). Há também Cedric Charlier, considerado pela crítica o “responsável por reposicionar a Cacharel de forma emocionante e atual”, que estreou sua grife homônima no primeiro dia da Paris Fashion Week. Com seu afastamento da tradicional Maison, o estilista desfilou uma série de femme fatales em silhuetas ajustadas e referências quase militares (no sentido “Matrix”, como apontou a jornalista Alice Pfeiffer), ganhando força nos acabamentos resinados, metalizados e envernizados.
Cedric Charlier Collection, AW 2012/13
Traçados a partir da mesma origem, os caminhos tão distintos percorridos pelos designers belgas também parecem chegar ao mesmo fim: o sucesso. Nas palavras de Filip Arickx, “Nossas raizes belgas são a nossa identidade, que [representam] nossa força, senso de realidade e espírito trabalhador.”
Camila Beaumord
Imagens: Vogue.it