Artigo: Qual é o público dos desfiles no Brasil?

Por Camila Beaumord

Com o início da temporada de moda no Brasil, lembrei-me de duas queixas que ouvi nas temporadas anteriores. A primeira, mais antiga, era sobre o aumento de marcas comerciais nos line-ups das fashion weeks. Já a segunda se referia ao novo endereço da SPFW que, apesar de belo, possuía salas menores para as apresentações, o que acabava por excluir muita gente das listas de convidados. O padrão dos espaços se estendeu a outros eventos, deixando alguns (antigos) VIPs com a pulga atrás da orelha.

“Quando vamos exibir a verdadeira moda brasileira desse jeito?” cheguei a escutar. Outra clássica: “Foi-se a época em que os desfiles eram um bom investimento de comunicação. Agora são caprichos para blogueiras. E nem para todas!”

Antes de chegarmos nisso, é preciso entender quem é o público da semana de moda no Brasil e como a informação chega nele. Ao contrário do que a análise óbvia sugere, os eventos nunca foram tão assertivos e a comunicação chega às pessoas certas, sim. Mesmo que elas não estejam na sala do desfile.

Vamos por etapas:

Um desfile tem a obrigação de ser autoral?

Não. É bonito ver algo totalmente inédito na passarela, algo conceitual, alguém aproveitando o momento para realmente apresentar um novo conceito. Mas quando o assunto é consumo, acho seguro dizer que o brasileiro (em geral!) não gosta de sentir a estranheza natural que brota sempre que algo único surge. Não tenho dados estatísticos para comprovar isso, mas posso resgatar os comentários negativos que apareceram na minha timeline do Facebook quando Rick Owens usou dançarinos de step em vez de modelos na temporada passada. Não dos meus contatos ligados à moda, mas de colegas que trabalham em outras áreas. E antes que venham detonar a minha escolha de amigos, saibam que todos estão no topo em suas respectivas áreas de atuação. Apenas escolhem a roupa com que vão passar o dia baseado em combinações mais tradicionais, sem arriscar. É difícil ser fashionista em uma firma de advocacia dominada por homens, afinal.

Portanto, a hora de desenhar a identidade da moda no Brasil não precisa ser em uma sala de desfile. Hoje, mais do que nunca, temos diversos meios de comunicação na ponta dos dedos. Um vídeo artístico com investimento bem menor pode deixar a ideia muito mais clara, sendo assim mais aceita pelo público consumidor. Na hora do desfile, estamos condicionados a nos enxergar usando aquelas roupas, então chocar na apresentação pode dar o efeito contrário.

Desfile da Animale. / Imagem: Sebastião Moreira – Efe

Quem deveria estar na primeira fila do desfile?

Com os espaços menores, reduziu-se também o número de cadeiras na Fila A. Em muitos casos (e isso não é exclusivo do Brasil – pega lá as manchetes da última semana de Nova York, por exemplo), os jornalistas têm que dividir o lugar com compradores, influenciadores e celebridades. Ou até mesmo ceder e ir para as filas de trás. Surge aí mais uma contradição: se o objetivo do desfile é comunicar sobre a nova coleção, por que os comunicadores não ficam nos melhores assentos?

Mais uma vez, esbarramos no perfil cultural do público. Diferentemente dos países europeus, em que a tradição da moda foi construída nas décadas anteriores, a nossa chegou ao auge na era da internet. Quem lê crítica de desfile são os Milennials, enquanto em Paris, os avós da Geração Y já debatiam sobre o tema ao ler o jornal no café da manhã. E se até na capital francesa os longos textos estão sendo substituídos por álbuns de foto no Pinterest, imagine aqui, em que o leitor foi apresentado ao universo da moda ao acompanhar o “look do dia”.

Que fique claro – isso não diminui o nosso público ou o nosso leitor. O fato de gostarmos de informação rápida e visual não os torna inferiores. É apenas um perfil: a maioria dos consumidores é atraída pela praticidade, não pela longa explicação. Também preferimos uma linguagem pessoal, quase que uma indicação de amigo, em vez de um artigo racional sobre por que uma coleção é boa ou ruim. Isso é errado? De forma alguma.

Deborah Secco, Bruno Torres e Letícia Spiller na primeira fila. imagem: Ricardo Cardoso

Então como fica a comunicação nesse esquema?

Instantânea. O jornalista vai atrás de tudo que puder conseguir com as assessorias antes do evento, apenas para incluir algumas linhas sobre o desfile durante a apresentação. Nas salas de imprensa, uma queda no wi-fi é motivo de pânico. Juro. E aí sempre tem um espertalhão do lado com um chip de reserva que faz uma carinha de “você não se preparou para isso? Que pena…” enquanto você respira fundo e tenta contar até dez.

O desfile em si é compartilhado para milhões de pessoas através das fotos e vídeos que dominam o Instagram. As lojistas se comunicam diretamente com suas clientes, já preparando o terreno para as vendas da próxima temporada. Ao seu lado estão as celebridades do momento, que reforçam para os fãs o quão legal é a marca que estão vendo. Mas o papel dessas duas figuras na comunicação vai muito além das postagens.

Há quem pense que convidar uma compradora para o desfile serve para que ela escolha as peças que vai vender. Sim e não. Na maioria dos casos, a lojista já conversou com o estilista, já viu o preview das roupas e já tem uma boa ideia do que levar. O desfile, portanto, serve como um bônus. É um momento de música, festa e glamour. E com tanta competição acontecendo dentro dos próprios pontos de venda multimarcas, um convite para a Fila A pode ser a diferença entre as suas peças na vitrine ou nas araras mais escondidas.

As celebs também estão ali pelo buzz. Tudo bem que um evento de moda é cercado por jornalistas, mas eles são jornalistas DE MODA. E os outros segmentos? Ter a Bruna Marquezine acompanhando um desfile garante que essa marca será manchete também na coluna social, na revista de novela, até na publicação teen. Tudo isso com um investimento bem menor do que o cachê de um top.

Vai chamar uma semana de moda de capricho agora?

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